Fundada no ano de 970 da era cristã, no tempo do rei mouro D. Ramiro III, recebeu primeiro o nome de al-quniTrâ” dimunitivo de “al-qanTarâ”, ou Alcântara, que significa – a pequena ponte.
Alcoentre recebe o primeiro foral de D. Afonso Henriques na cidade de Coimbra, em outubro de 1174 e torna-se a mais antiga unidade de administração e circunscrição local do concelho de Azambuja. Desde que Alcoentre foi arrolada pela Coroa manteve-se “terra reguengueira” (ou terra do rei) até D. Dinis. Neste reinado deixa de ser terra do rei, também conhecido como Lavrador, para iniciar um longo percurso como terra de jurisdição senhorial particular. Aquele foral foi reformulado por D. Manuel em Lisboa, a 26 de Setembro de 1513.
D. ROLIM
A maioria dos historiadores são da opinião que Alcoentre terá sido doada a um dos principais cruzados, comandante da nobreza guerreira flandrense que lutou ao lado de D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa em 1147. Especula-se que essa doação tenha recaído em D. Child Rolim, ou simplesmente Rolim, contudo, não existe documentação que o comprove.
Só em 1200, já no reinado de D. Sancho I, sucessor de D. Afonso Henriques, vamos encontrar na Carta de Doação de Azambuja, a doação de Alcoentre a Childe Rolim. É um facto que durante as Cruzadas, entre 1096 e 1270, muitos nobres do norte da Europa que iam para a Terra Santa, vieram em auxílio de D. Afonso Henriques e foram determinantes na conquista de Lisboa e no restante território a que hoje chamamos de Portugal e, por isso, foram recompensados. Contudo, a conquista definitiva de todo o território demorou o seu tempo e envolveu sucessivos recuos e avanços das forças portuguesas e mouras e durante este período, a zona de Lisboa e Ribatejo estava em constante conflito. Poderá ter sido esta situação periclitante a justificar a ausência documental de uma primeira jurisdição de Alcoentre a D. Rolim.
Por outro lado, existe uma indefinição sobre quem terá sido D. Rolim. Francisco Câncio acredita que D. Afonso Henriques terá doado Azambuja a D. Childe Rolim, cavaleiro ilustre, quinto filho legítimo do “Conde de Cestrias” (Chester), bisneto por linha reta masculina dos Reis de Inglaterra. Já o Visconde de Castilho, acredita que Childe Rolim seria em inglês “Child Rolim”, o que se traduz por Rolim Júnior ou filho de Rolim, e que, por alguma razão que desconhece, teria sido o filho de D. Rolim a receber as terras e não o pai. Facto é que na sua crónica, D. Afonso Henriques, escreve que um D. Rolim da Flandres com as suas gentes de armas se estabeleceu num primeiro momento em terras de Alcoentre, embora não judicialmente outorgado, com intuito de conquista, defesa e povoamento.
D. AFONSO SANCHES
O primeiro senhor de Alcoentre foi D. Afonso Sanches, Príncipe de Portugal, filho do rei D. Dinis e D. Aldonça Rodrigues da Telha, nascido em 1289. D. Afonso Sanches foi o filho primogénito e primeiro bastardo de D. Dinis, ainda antes do casamento deste último com a muito afamada Rainha Santa Isabel, com quem teve apenas um filho – D. Afonso IV, o Bravo.
Para além de D. Afonso Sanches, D. Dinis teve muitos outros bastardos. Num gesto de altruísmo, a Rainha Santa chamou, na altura, para a corte todos os filhos bastardos de D. Dinis para que estes tivessem uma educação superior, incluíndo D. Afonso Sanches. Durante esta fase, D. Afonso Sanches desenvolve uma relação de afinidade e especial afeição com o rei D. Dinis, presumivelmente por razões de caráter e dedicação, ao ponto de este último o tornar seu Mordomo-mor, o equivalente a ministro principal do seu governo.
D. Afonso Sanches foi um valente guerreiro, um romântico trovador, um grande político, um homem muito inteligente e uma grande figura do seu tempo. Em 1304 casa com D. Teresa Martins Telo de Meneses, a filha D. Teresa Sanches e do Conde D. João Afonso Telo de Meneses, o homem mais rico do país. Do seu sogro recebe as terras de Vila do Conde, Barcelos, e Albuquerque, em Castela, e, de D. Dinis recebe a Vila de Alcoentre, doação registada em Agosto de 1302.
Especula-se que a relação de proximidade entre D. Dinis e D. Afonso Sanches, assim como o rumor de que o rei queria deixar o Reino de Portugal a este filho bastardo e não ao filho legítimo, o infante Afonso IV, terá espoletado a guerra civil entre D. Dinis e D. Afonso IV. Esta guerra civil teve início em 1320 e terminou a 1324, com alguns períodos de paz no intermédio, negociados pela sempre apaziguadora Rainha Santa Isabel. Apoiado por um exército maior, o filho D. Afonso Sanches, D. Dinis foi obrigado a aceitar a derrota em Santarém e a demitir D. Afonso Sanches do lugar de Mordomo-mor. D. Afonso Sanches, sentido-se ameaçado, vê-se obrigado a exilar, com a mulher para Castela, na Vila de Albuquerque.
Em 1325 D. Dinis morre, D. Afonso IV sobe ao poder e confisca todos os bens de D. Afonso Sanches.
Apoiado pela nobreza portuguesa, D. Afonso Sanches ainda terá tentado algumas manobras políticas e militares para tomar o trono, a partir do exílio, mas sem sucesso. A guerra entre irmãos ainda durou 3 anos, mas em 1326 a Rainha Santa Isabel consegue que os dois assinem um Acordo de Paz, contundo, ainda alguns anos ainda iriam passar até que todos os bens lhe sejam restituídos.
Afonso Sanches acaba por nunca voltar a Portugal e morre em 1329, sem perdão régio. É só em 1331, que D. Teresa Martins, já viúva, move acção judicial contra D. Afonso IV na comarca de Além-Douro e consegue ver reconhecidos judicialmente os seus bens, títulos e jurisdições.
As extraordinárias peças túmulárias de D. Afonso Sanches e D. Teresa Martins, da autoria da oficina de Diogo Pires o Moço (1526), podem encontrar-se atualmente no mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde, da Ordem das Clarissas, fundado por este casal. Era este convento que apresentava o Prior de Alcoentre e para onde eram enviados os rendimentos da igreja matriz de Alcoentre. É neste convento que podemos hoje encontrar as extraordinárias peças túmulárias de D. Afonso Sanches e D. Teresa Martins, da autoria da oficina de Diogo Pires o Moço (1526).
MARQUESES DE VILA REAL
Em 1424 D. João I concede o título de Conde de Vila real a D. Pedro de Meneses, também senhor de Alcoentre. D. Pedro de Meneses, filho de D. Fernando de Meneses, era neto de D. Martinho de Albuquerque e bisneto de D. Maria de Albuquerque. Esta por sua vez era filha de D. João Afonso de Albuquerque, filho de D. Afonso Sanches e D. Teresa Martins, os primeiros senhores de Alcoentre.
D. Pedro de Meneses, que também era sobrinho da Rainha Leonor Teles de Meneses, foi 1º Capitão e Donatário em Ceuta. Não teve descendência legítima e deixou o posto ao seu genro Fernando de Noronha, 2º Capitão de Ceuta e 2º Conde de Vila Real, casado com a sua irmã D. Brites de Meneses. Estes tiveram um filho chamado D. Pedro de Meneses, que foi o 3º Conde de Vila real, que D. João II elevou a Marquês. Os Marqueses de Vila Real tinham uma enorme riqueza, devido à imposição do imposto denominado “reais de Ceuta”, instituído para financiar a capitania de Ceuta.
Já no século XVII, o 7º Marquês de Vila Real, D. Miguel Luís de Meneses, envolveu-se numa conspiração para terminar com a Restauração, contudo, acaba por ser descoberto e morrer degolado no Rossio em Lisboa, no dia 29 de Agosto de 1641. Por ausência de descendência o título passou a ter como representante a Marquesa de Vagos e Condessa de Aveiras D. Maria Mafalda da Silva de Noronha Wagner.
MARTIM AFONSO DE SOUSA
Tradicionalmente biografado como navegador e guerreiro, D. Martim Afonso de Sousa, nasceu em Vila Viçosa em 1500 e morreu em Lisboa a 21 de Julho de 1564. Descendente de Martim Afonso de Chichorro, filho bastardo de D. Afonso III, era filho de D. Brites de Albuquerque, descendente direta dos senhores fundadores de Alcoentre, D. Afonso Sanches e D. Teresa Martins de Meneses e de D. Lopo de Sousa, senhor da vila e terra do Prado, de Paiva e de Baltar, conselheiro de D. Manuel I e aio do 4º Duque de Bragança, D. Jaime.
Pouco depois da morte do pai, D. Martim Afonso de Sousa, passou ao serviço do príncipe herdeiro, futuro D. João III, após rejeitar a alcaidaria de Bragança, que o Duque de Bragança lhe quis dar. Foi discípulo de Pedro Nunes, com quem adquiriu grandes conhecimentos da arte de navegar, de matemática, de cosmografia e de geografia. Lutou em França ao lado do Duque de Alba e do Conde de Alva Liste, o que lhe valeu fortes elogios de Carlos V, da França. Acompanhou a Rainha viúva D. Leonor a Castela, onde casou com Ana Pimentel, com quem teve seis filhos. Iniciou-se como Capitão-mor na expedição ao Brasil em 1530, com a tríplice missão de escorraçar os franceses das costas litorais, descobrir terras e explorar rios, entre os quais o rio da Prata, e estabelecer um ou mais núcleos de povoamento e consequente domínio político e administrativo dentro da demarcação de Tordesilhas. Com ele seguiram cerca de 500 homens, entre marinheiros, homens de armas e colonos com os utensílios necessários à defesa e à colonização. Durante esta expedição conseguiu com sucesso derrotar traficantes e tropas francesas na costa de Pernambuco, todo o território circundante do rio da Prata foi reclamado para a coroa portuguesa, foi fundada a vila de Piratininga, em S. Vicente, atual cidade de S. Paulo e terras foram dadas aos colonos no Rio de Janeiro, onde levantou uma casa forte. O caráter científico desta expedição foi várias vezes provado, tendo sido recolhidas amostras de pedras preciosas e sementes e plantas indígenas.
De volta a Portugal D. Martim Afonso de Sousa foi recompensado com o cargo de Capitão-mor do mar da Índia e na divisão da terra brasileira couberam-lhe as capitanias de S. Vicente e Rio de Janeiro.
Parte para a Índia a 12 de Março de 1534, sendo na altura governador D. Nuno da Cunha, que se esforçava por construir a fortaleza de Diu, que muito ficou a dever a Martim Afonso de Sousa. Este facto explica possivelmente que a tradição diga que este quando regressa da Índia, tenha imprimido no Paço em Alcoentre a mesma linguagem arquitectónica.
Enquanto na Índia, interveio numa luta entre o rajá de Calecut e o de Cochim, nosso aliado, tendo tomado a ilha de Repelina e arrasado a povoação. À frente de 90 homens venceu 5000 indianos do mesmo rajá. Encarregado pelo governador de tomar Damão, bombardeou e arrasou os baluartes da cidade, entre outros grandes feitos. Devia assumir o posto de vice-rei e, quando indisposto com outros cabos de guerra, não quis esperar pela leitura da carta de sucessão que o nomeava para esse cargo e voltou ao Reino. Mas o prestígio que granjeara na guerra de Cambala jusificava a escolha de D. João III. Assim, em 1542 voltou à Índia como governador, o 12º, em substituição de Estêvão da Gama, cargo que exerceu durante 3 anos.
O nosso domínio de trinta anos no Oriente inclinava-se fortemente para a decadência, mas no fim do seu governo deixou nos cofres da Índia importante quantia ao seu sucessor e trouxe para entregar em Lisboa uma outra ainda mais elevada.
Em 1545 voltou à metrópole ingressando no Conselho de Estado e aí continuou a servir D. Catarina na menoridade de D. Sebastião. É a partir desta data que D. Martim Afonso de Sousa vai reaver os direitos jurisdicionais e senhoriais de Alcoentre que se tivessem seguido a linhagem principal caberiam por direito a sua mãe, D. Brites de Albuquerque.
CONDES DE VIMIEIRO
O título “Condes de Vimieiro” foi criado por Filipe III de Espanha em 1614, em Vimieiro, antigo concelho de Évora e hoje freguesia de Arraiolos e foi extinto em 1801, tendo predominado “Faro” na linhagem, título, varonia e apelido. Em 1791 os Condes de Vimieiro tinham um rendimento anual que perfazia 7 302 850 réis. Só na província da Estremadura e na comarca de Santarém, os Condes de Vimieiro arrecadavam os oitavos de Alcoentre no valor de 600 000 réis anuais, “direitos e quartos” de Verdelho que valiam 200 000 réis e ainda os “oitavos” de Rio Maior no valor de 840 000 réis.
Foi 1º conde de Vimieiro D. Francisco de Faro (1551-1617), que casou por volta de 1584 com D. Mariana de Sousa Guerra, filha de Martim Afonso de Sousa. E aqui temos novamente a linha de continuidade jurisdicional detida sobre a Vila de Alcoentre.
Francisco de Faro era filho de D. Francisco (1510-1580), Senhor de Vimieiro e que teria casado por volta de 1539 com D. Mercia Henriques de Albuquerque, que teria falecido por cerca de 1546 e que se intitulou Senhora da Barbacena, Alcoentre e Tagarro, senhorios que faziam parte do seu dote de casamento.
O 2º e 3º Condes de Vimieiro foram os donatários da capitania de S. Vicente, no Brasil, tal como sua mãe D. Mariana de Sousa Guerra, Condessa de Vimieiro, através da qual eram descendentes de Martim Afonso de Sousa.
O senhorio de Alcoentre vai passar a D. Sancho de Faro (1590-1650), Conde de Vimieiro e que se vai intitular além de Conde, Senhor de Alcoentre e Tagarro. Este neto e sobrinho-neto de Martim Afonso de Sousa era também capitão donatário da Capitania de S. Vicente, no Brasil. Todos os títulos vão passar de D. Sancho de Faro para D. Diogo de Faro e Sousa (1620-1698), patronímio recuperado de sua avó e de seu bisavô, Martim Afonso de Sousa e deste para D. Sancho de Faro e Sousa (1659-1719). Este último foi vice-rei no Brasil, casou em 1703 com D. Teresa de Mendonça e com o seu filho D. Diogo de Faro e Sousa (1705-1741) termina a jurisdição de Alcoentre, por falta de descendentes.
Assim termina a jurisdição senhorial de Alcoentre, que remonta desde o século XIV D. Afonso Sanches e D. Teresa Martins de Meneses. A partir de 1741 Alcoentre volta à jurisdição da Coroa, situação que nos é descrita em 1758, nas Memórias Paroquiais.